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Distribuição de resultados x geração de valor: a busca pelo equilíbrio

Distribuição de resultados x geração de valor: a busca pelo equilíbrio

 

“Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única.”

A frase do filósofo, médico e teólogo alemão Albert Schweitzer é um excelente ponto de partida para refletirmos sobre o papel das corporações na construção de uma cultura de compliance, governança corporativa e respeito na relação com investidores, stakeholders e concorrentes dentro do ambiente de negócios do país.

Responsáveis por movimentar toda uma cadeia econômica – que inclui desde grandes agentes do sistema financeiro até pequenos fornecedores que, em muitos cenários, dependem dos contratos e parcerias com organizações de maior porte para a sua sobrevivência no mercado – as grandes empresas, sem dúvidas, tem uma responsabilidade extra na observância da conformidade e da transparência de seus processos, haja vista o vasto impacto socioeconômico de suas ações.

Nesse mesmo sentido, mais do que uma meta ou anseio, é dever das lideranças atuar em prol de que essa cultura se sustente, a partir de uma visão que prioriza não somente ganhos individuais, mas geração de valor, crescimento responsável e legado institucional dos negócios.

Como sabemos, o ano de 2023 se iniciou com a notícia-bomba que chocou o mercado envolvendo o rombo contábil superior a R$ 43 bilhões na Americanas, uma das mais tradicionais e importantes varejistas do país.

E, um dos fatores que mais causou espanto entre especialistas da área financeira, economistas e outros estudiosos do mercado brasileiro foi que, mesmo dentro de um contexto que, visto mais de perto, já enunciava um cenário de crise – e que hoje envolve, inclusive, investigações acerca da possibilidade de desvios contábeis – foi a política contínua de distribuição agressiva de bônus e dividendos na companhia, inclusive aos maiores acionistas da empresa.

Para termos uma ideia mais clara desse cenário, uma matéria da Folha de S. Paulo destacou que, na última década, a Americanas distribuiu aproximadamente o dobro em lucros no comparativo com seus maiores concorrentes – só em 2022, mais de meio bilhão foi distribuído.

Esse panorama, naturalmente, enseja questões. Até que ponto a busca pelo retorno financeiro sem uma contrapartida séria de governança corporativa se justifica? Como equilibrar a distribuição de resultados com uma mentalidade de crescimento sustentável e geração de valor?

Valores que sustentam culturas

Dentro dessa reflexão, penso que o primeiro passo envolve o alinhamento entre os valores das organizações, de suas lideranças e os objetivos de crescimento do negócio.

Retomando a tese deste artigo, o fato é que, quanto maior for o papel de uma companhia dentro de um mercado – seu poder de influência sobre uma cadeia de negócios, sua participação em um segmento e seu potencial de expansão –, maior a responsabilidade que ela e seus executivos C-Level devem assumir em prol da lisura, da transparência e de uma atuação ética que leve em conta não só os ganhos de curto prazo, mas os impactos de uma decisão errônea, de falhas processuais e de desvios que se perdem na trajetória da empresa.

E aqui, não se trata da condenação pura e simples das políticas de distribuição de resultados, mas do cuidado que deve ser tomado quando, ao adotarmos essa estratégia, perdemos a visão do todo e da influência da corporação no mercado, e passamos a visar somente o enriquecimento individual.

Isso põe em risco toda a cultura do negócio – uma vez que líderes que não conduzem a companhia pelo exemplo influenciam negativamente em todas as camadas da empresa – e, em última instância, a própria qualidade dos sistemas do mercado brasileiro – como, aliás, bem frisou um artigo recente do Portal Capital Aberto.

Rigor e princípios que devem ir além do discurso

Mas, para que uma política de conformidade seja efetiva, os valores devem perpassar o discurso e serem sustentados por processos claros de equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa que precisam ser difundidos com clareza e vividos como princípios culturais para a companhia.

E, em casos de suspeitas ou da identificação de desvios/fraudes/práticas que não condizem com a cultura de governança do negócio e/ou que possam prejudicar a relação da empresa com stakeholders/parceiros/concorrentes, tais atos precisam ser investigados e, quando necessário, punidos, segundo princípios de responsabilização (individual e corporativa). Ainda, se tais atos, porventura, forem capazes de afetar outros players, que haja a divulgação com transparência do contexto real da empresa e dos mecanismos que estão sendo adotados para a reversão daquele cenário.

Pois, no fim das contas, o crescimento financeiro e organizacional envolve também a expansão da responsabilidade. E, nesse sentido, a questão que deve ser decidida é qual exemplo queremos deixar enquanto lideranças de grandes negócios: o da prosperidade sustentável e consciente ou o do crescimento a qualquer custo?

Artigo escrito por Alexandre Velilla, head de Administração da ANEFAC