
Mercado mais transparente: O Impacto das Novas Regras sobre Títulos de Renda Fixa no Brasil
No dia 22 de maio de 2025, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deu mais um passo decisivo para fortalecer o financiamento de dois pilares da economia brasileira: o agronegócio e o setor imobiliário. Por meio das Resoluções nº 5.212 e nº 5.215, o órgão redesenha as regras para emissão de importantes títulos de renda fixa, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).
O objetivo? Tornar o mercado mais alinhado ao seu propósito original, garantindo que os recursos captados por esses instrumentos sejam, de fato, direcionados às atividades produtivas do agro e do imobiliário.
- O que muda na prática para CRAs, CRIs e CDCAs?
A Resolução 5.212 aprofunda as regras que já haviam sido estabelecidas pela Resolução 5.118, de 2024, e fecha de vez brechas que ainda permitiam o uso desses títulos como mecanismos genéricos de funding.
O que passa a ser obrigatório:
- Apenas empresas cuja atividade principal — ou seja, que represente mais de 2/3 da receita — esteja diretamente vinculada ao agronegócio ou ao setor imobiliário poderão emitir lastros para CRAs, CRIs e CDCAs.
- Empresas fora desses setores, sejam elas abertas ou fechadas, ficam fora do jogo.
Exemplo: Um hospital, uma indústria ou uma empresa de tecnologia, mesmo sendo economicamente relevantes, não poderão mais emitir CRI ou CRA, salvo se tiverem operações diretamente ligadas a imóveis (no caso de CRI) ou ao agronegócio (no caso de CRA). O caminho para essas empresas passa a ser outro: debêntures, notas comerciais ou financiamento bancário tradicional.
Regras adicionais:
- Vedado o uso dos recursos para reembolso de despesas passadas. O dinheiro captado deve ser usado exclusivamente para financiar atividades futuras.
- Proibidas operações entre partes relacionadas que tenham como objetivo mascarar risco real.
- Instituições financeiras e empresas controladas por bancos estão fora como tomadoras ou garantidoras desses títulos.
- As regras não afetam títulos já emitidos ou ofertas registradas antes da publicação.
- E as LCIs e LCAs? Um ajuste cirúrgico nos prazos.
A Resolução 5.215 ataca outro ponto sensível: os prazos mínimos de vencimento das LCIs e LCAs. O que muda:
- O prazo mínimo, que estava em 9 meses, passa a ser 6 meses para ambos os títulos.
O CMN percebeu que a elevação dos prazos feita em 2024 reduziu significativamente a atratividade desses papéis para investidores de curto prazo, prejudicando a captação dos bancos. A nova regra busca recalibrar esse equilíbrio, oferecendo prazos mais flexíveis sem abrir mão da segurança e do incentivo fiscal (isenção de IR).
Outros ajustes importantes:
- O valor das LCIs e LCAs não pode exceder o valor dos créditos que as lastreiam.
- Não é permitido utilizar créditos baixados como prejuízo para lastrear novos títulos.
- As restrições à recompra dos títulos por instituições do mesmo grupo continuam, com exceção para atividades de intermediação no mercado secundário.
- Em caso de prorrogação, o novo prazo precisa respeitar o mínimo vigente a partir da data da prorrogação.
Quais são os impactos no mercado?
- Mais clareza e segurança para investidores.
- Mudança de rota para empresas de outros setores.
- Ajuste saudável no volume desses títulos.
- Mais atratividade para LCIs e LCAs.
- Por que isso é positivo para o investidor e para o Brasil?
- Mercado mais transparente e aderente ao seu propósito.
- Redução de riscos sistêmicos e financeiros ocultos.
- Financiamento mais eficiente para setores produtivos, que geram emprego, renda e desenvolvimento.
- Maior alinhamento às melhores práticas internacionais de securitização e alocação de capital.
- Reflexão final: O mercado está virando a chave.
Se até ontem parte do mercado de renda fixa brasileira operava com criatividade financeira para burlar limitações, o recado agora é claro: a era da securitização com propósito chegou para ficar.
O investidor atento e o gestor responsável entenderão rapidamente que essas mudanças não são uma trava, mas sim um convite a construir um mercado de capitais mais saudável, produtivo e aderente à economia real.
Artigo escrito por Guilherme Dultra, que é sócio da Knox Capital e Head de Finanças da ANEFAC. Ele é economista, mestrando em economia e mercados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em finanças comportamentais pela University of Chicago Booth School of Business.