
Entre algoritmos e ética, a IA é uma responsabilidade humana
A inteligência artificial já deixou de ser uma promessa futurista para se tornar parte integral de nossas vidas, transformando a forma como trabalhamos, estudamos, nos comunicamos e tomamos decisões. Reiterando essas percepções, a pesquisa “Confiança, atitudes e uso da inteligência artificial: um estudo global 2025”, realizado pela KPMG, em parceria com a Universidade de Melbourne (Austrália), apresenta um panorama impressionante dessa revolução em curso: mais de dois terços das pessoas no mundo já usam ferramentas de IA regularmente e quase metade relata que não conseguiria mais cumprir suas atividades profissionais sem a ajuda dessas tecnologias.
O relatório mostra que a ferramenta está sendo amplamente utilizada em todos os setores da economia, proporcionando ganhos de eficiência, inovação e qualidade do trabalho. No entanto, ele também alerta para os riscos do uso complacente, da desinformação e da perda de habilidades humanas essenciais.
A pesquisa ouviu mais de 48 mil pessoas em 47 nações, cobrindo todas as regiões do globo. O levantamento é representativo das populações adultas de cada país, considerando idade, gênero e distribuição geográfica. Dentre os respondentes, 67% são profissionais em atividade, de organizações de diferentes portes, trabalhadores autônomos, donos de negócio e freelancers, atuando em variados setores da economia. Outros 5% são estudantes, predominantemente do ensino superior. Os demais 28% da amostra abrangem ampla diversidade de segmentos em níveis de escolaridade e renda, dentre os quais aposentados e pessoas em busca de emprego.
Os achados do estudo revelam que entusiasmo e preocupação caminham lado a lado. Embora 66% dos entrevistados declarem usar intencionalmente a IA com regularidade, a confiança nessas tecnologias ainda é um desafio significativo: 54% das pessoas
mostram-se reticentes em confiar plenamente na ferramenta, principalmente quanto à segurança, privacidade e impacto social. Essa percepção é mais acentuada nos países desenvolvidos, onde apenas 39% das pessoas expressam confiança nos sistemas de IA, enquanto nas economias emergentes esse número sobe para 57%.
Curiosamente, embora a maioria dos respondentes relate baixos níveis de treinamento formal, pois apenas 39% afirmam ter recebido algum tipo de educação ou capacitação específica, 60% dizem conseguir utilizar a IA de maneira eficaz. Essa aparente contradição revela tanto a acessibilidade das ferramentas atuais quanto um possível risco de uso irrefletido. De fato, muitos usuários interagem com esses sistemas sem avaliar criticamente suas respostas, o que pode levar à complacência, erros e à propagação de informações imprecisas.
No ambiente de trabalho, os dados são reveladores: 58% dos empregados utilizam IA regularmente e 75% das organizações já adotaram a tecnologia em algum grau. Os benefícios relatados incluem aumento de eficiência, melhor qualidade de decisões e mais inovação. Porém, há sinais claros de alerta: quase metade dos profissionais admite utilizar IA de formas que violam diretrizes organizacionais. Muitos afirmam apresentar conteúdo gerado por IA como se fosse próprio. Além disso, dois terços dos empregados confessam que baseiam decisões em resultados de IA sem avaliar sua precisão. Esses aspectos mereçam muita atenção das empresas, pois evidenciam um descompasso entre a velocidade da adoção e a maturidade da governança sobre o uso dessas ferramentas.
Outro ponto crítico abordado pela pesquisa diz respeito à desinformação. A ampla disseminação de conteúdos gerados por IA tem impacto direto na confiança das pessoas em informações digitais, especialmente em contextos sensíveis, como eleições, por exemplo. Nada menos do que 87% dos entrevistados defendem a criação de leis para combater a desinformação algorítmica e acreditam que empresas e governos devam atuar conjuntamente na regulação da IA. A expectativa é clara: mais do que autorregulação, a sociedade quer um arcabouço normativo robusto, com supervisão estatal e padrões internacionais.
Os dados também indicam uma tendência preocupante dentre os estudantes: 83% usam IA regularmente nos estudos, mas muitos demonstram dependência excessiva, relatando que não conseguiriam realizar suas tarefas sem ajuda tecnológica. Isso compromete o desenvolvimento de habilidades críticas, como pensamento analítico, colaboração e autonomia intelectual. A pesquisa aponta que apenas metade das instituições de ensino oferece orientação clara sobre o uso responsável da IA. Isso reforça a urgência de ações educativas e normativas também nesse campo.
Em países com economias emergentes, como o nosso, o cenário é particularmente curioso: 86% dos brasileiros afirmam usar a IA intencionalmente no trabalho, 85% enxergam ganhos claros de eficiência e 91% acreditam que a tecnologia proporcionará muitos benefícios. Por outro lado, 79% demonstram preocupação com efeitos negativos e 84% defendem leis rigorosas contra a desinformação gerada por IA. Uma parcela expressiva já percebe riscos reais, como a perda da conexão humana e o aumento de estresse e pressão no ambiente profissional.
O estudo da KPMG reitera – e elucida como esse processo está se desenvolvendo – que a inteligência artificial representa um avanço notável, com potencial de ampliar exponencialmente as capacidades humanas. Contudo, é uma ferramenta e, como tal, seu impacto depende de como a utilizamos. Pode ser a chave para uma nova era de produtividade, criatividade e soluções inovadoras, mas desde que sua aplicação seja orientada por valores éticos, transparência e responsabilidade.
O desafio não é barrar o progresso, mas sim garantir que ele sirva ao bem-estar coletivo. Assim, não podemos jamais conceber o uso da IA para substituir talentos humanos, mas sim para potencializá-los, explorar ideias, aprofundar pesquisas e resolver problemas complexos com mais agilidade e precisão. Essa aplicação responsável deve ser acompanhada de educação e regulação adequadas, fortalecendo a alfabetização digital e a capacidade crítica de profissionais, estudantes e cidadãos. Só assim construiremos uma sociedade na qual os humanos utilizem a tecnologia que criaram para melhorar o trabalho, a vida e o bem-estar da sociedade.
Artigo escrito por Frank Meylan, sócio-líder de Tecnologia e Inovação da KPMG no Brasil e Ricardo Santana, sócio-líder de Data & Analytics, Automação e Inteligência Artificial da KPMG no Brasil